Consoante a natureza das atividades desenvolvidas por grupos empresariais de construção civil, entendemos que alguns esclarecimentos são imprescindíveis quanto ao Regime Especial de Tributação (RET) aplicado às incorporações imobiliárias e quanto ao faturamento das Sociedades de Propósito Específico, antes e após a conclusão da obra, além do tratamento tributário a ser conferido aos distratos.
Os artigos 1º e 2º da Lei n. 10.931/2004 estabelecem os requisitos para o exercício da opção pelo RET destinado às incorporadoras imobiliárias, sendo beneficiário do regime o respectivo incorporador (pessoa que se compromete a promover a construção e a entregar aos adquirentes as respectivas unidades).
A tributação é devida à alíquota única de 4%, que corresponde ao pagamento mensal unificado de IRPJ, CSLL, contribuição para o PIS/Pasep e COFINS, tendo como base imponível os faturamentos correspondentes aos contratos de compra e venda de unidades individuais (inclusive receitas financeiras decorrentes) até a data de concessão da Carta de Habite-se, ainda que o ingresso financeiro venha a ocorrer em período posterior.
A Instrução Normativa da RFB n. 1.435, de 30 de dezembro de 2013, (que substituiu a IN RFB 934/2009) estabelece as definições de incorporador e elenca os requisitos para adesão a esse Regime Especial de Tributação – RET, dispondo que:
DO REGIME ESPECIAL APLICÁVEL ÀS INCORPORAÇÕES IMOBILIÁRIAS
Art. 2º O Regime Especial de Tributação (RET) aplicável às incorporações imobiliárias, instituído pelo art. 1º da Lei nº 10.931, de 2004, tem caráter opcional e irretratável enquanto perdurarem direitos de crédito ou obrigações do incorporador junto aos adquirentes dos imóveis que compõem a incorporação.
§ 1º Para efeito do disposto no caput, considera-se:
I – incorporador, a pessoa física ou jurídica que, embora não efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, em edificações a serem construídas ou em construção sob regime condominial, ou que meramente aceite propostas para efetivação de tais transações, coordenando e levando a termo a incorporação e responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das obras concluídas; e
II – incorporação imobiliária, a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas.
§ 2º Estende-se a condição de incorporador aos proprietários e titulares de direitos aquisitivos que contratem a construção de edifícios que se destinem à constituição em condomínio, sempre que iniciarem as alienações antes da conclusão das obras.
§ 3º Presume-se a vinculação entre a alienação das frações do terreno e o negócio de construção, se, ao ser contratada a venda, ou promessa de venda ou de cessão das frações de terreno, já houver sido aprovado e estiver em vigor, ou pender de aprovação de autoridade administrativa, o respectivo projeto de construção, respondendo o alienante como incorporador.
Esclarece-se que o RET não se aplica a pessoa jurídica que realize apenas o parcelamento do solo, mediante loteamento ou desmembramento. A partir da leitura dos dispositivos supra, verifica-se que o regime especial é cabível quando, a partir do fracionamento do terreno, há vinculação dos lotes resultantes desse parcelamento a uma posterior incorporação.
Referida IN também regulamenta a menção ao HABITE-SE constante no artigo 9º da Lei n. 10.931/2004[3]. Confira-se:
Art. 11. Caso não se verifique o pagamento das obrigações tributárias, previdenciárias e trabalhistas, vinculadas ao respectivo patrimônio de afetação, cujos fatos geradores tenham ocorrido até a data da decretação da falência, ou insolvência do incorporador, perde eficácia a deliberação pela continuação da obra a que se refere o § 1º do art. 31-F da Lei nº 4.591, de 1964, bem como os efeitos do regime de afetação instituídos pela Lei nº 10.931, de 2004.
Parágrafo único. Para fins do disposto no caput, as obrigações tributárias previdenciárias e trabalhistas, vinculadas ao respectivo patrimônio de afetação, deverão ser pagas pelos adquirentes em até 1 (um) ano da deliberação pela continuação da obra, ou até a data da concessão do habite-se, se esta ocorrer em prazo inferior.
Evidente, portanto, que a expedição do HABITE-SE apenas é relevante para (i) adesão ou (ii) manutenção da empresa no RET, pois esse regime de tributação exige que já tenha sido concedida autorização para o início da construção do empreendimento (hipótese de adesão) ou que esta esteja em andamento (hipótese de manutenção), de modo que não há que se falar em concessão do RET quando a obra já estiver concluída (vide trechos destacados em amarelo acima).
No entanto, a Receita Federal já emitiu entendimento no sentido de que as receitas recebidas pelas SPEs em razão da venda de frações ideais do empreendimento apenas estariam sujeitas ao RET se estas tiverem sido realizadas antes da expedição do Habite-se, mesmo que os valores apenas sejam efetivamente recebidos após a conclusão da obra. Caso, porém, os valores recebidos sejam decorrentes de vendas realizadas após o Habite-se, estes deveriam se sujeitar à tributação normal pelo Lucro Presumido.
Quer dizer, o que importa para a definição da tributação (se por RET ou por Lucro Presumido) não é a mera existência do HABITE-SE, mas se as unidades habitacionais foram vendidas antes ou depois daquele documento, segundo a RFB. Acrescenta-se apenas que a data a ser considerada não é a constante no HABITE-SE, mas de sua averbação no Registro de Imóveis, já que é a condição para a implementação e, consequentemente, exaurimento do Propósito Específico da Sociedade, encerrando a responsabilidade do incorporador.
Quanto aos distratos de contratos de compra e venda realizados antes do Habite-se, o art. 5º, §7º, da referida IN RFB expressamente estabelece a possibilidade de, à semelhança do que ocorre no Lucro Presumido, excluir-se da base de cálculo (faturamento) do RET os valores correspondentes às “vendas canceladas, as devoluções de vendas e os descontos incondicionais concedidos”, litteris:
Art. 5º Para cada incorporação submetida ao RET, a incorporadora ficará sujeita ao pagamento mensal equivalente a 4% (quatro por cento) das receitas mensais recebidas, que corresponderá ao pagamento unificado de:
§ 7º Do total das receitas recebidas, de que trata o § 1º, poderão ser deduzidas as vendas canceladas, as devoluções de vendas e os descontos incondicionais concedidos.
Sendo o que nos cumpria no momento, colocamo-nos inteiramente à disposição para quaisquer esclarecimentos que se mostrarem necessários.
[1] Blader Henrique de Lira Soares – Advogado, pós-graduado em Direito Tributário (IBET) e em Planejamento Tributário (FACE/UNB).
[2] Rafaella Alencar Ribeiro – Advogada, pós-graduanda em Direito Tributário (IBET).
[3] Art. 9º Perde eficácia a deliberação pela continuação da obra a que se refere o § 1º do art. 31-F da Lei nº 4.591, de 1964, bem como os efeitos do regime de afetação instituídos por esta Lei, caso não se verifique o pagamento das obrigações tributárias, previdenciárias e trabalhistas, vinculadas ao respectivo patrimônio de afetação, cujos fatos geradores tenham ocorrido até a data da decretação da falência, ou insolvência do incorporador, as quais deverão ser pagas pelos adquirentes em até um ano daquela deliberação, ou até a data da concessão do habite-se, se esta ocorrer em prazo inferior.